Construção Brasileira: Arquitetura moderna e antiga

2018


"Talles Lopes se interessa pelo espaço doméstico, mas desde uma perspectiva histórica – o que levou os moradores de bairros populares de diversas regiões do Brasil a se apropriarem das colunas que compõem a icônica arquitetura do Palácio do Planalto, em Brasília? Quais os limites entre a arquitetura oficial de um país e seu uso kitsch? Um artista-pesquisador, Talles faz uma publicação que cita o clássico catálogo "Brazil Builds" (1943) e busca (ironicamente) por essa "construção brasileira".

Raphael Fonseca.
Curador, Denver Art Museum
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Construção Brasileira: Arquitetura moderna e antiga
2018
 
“Construção Brasileira: Arquitetura moderna e antiga” é uma pesquisa em desenvolvimento desde 2017, baseada no mapeamento e documentação em todo Brasil de construções populares que se apropriaram de elementos arquitetônicos de Brasília, especialmente a coluna do Palácio da Alvorada (1958), a residência oficial do Presidente da República desenhada pelo arquiteto modernista Oscar Niemeyer.

A pesquisa se iniciou no interior de Goiás, quando o artista e arquiteto Talles Lopes testemunhou uma variedade de construções não-oficiais que replicavam a forma da colunata e outros elementos modernistas. Por se apropriar da estilística modernista sem seguir as diretrizes do Movimento Moderno, esse tipo de arquitetura com frequência foi chamada de “Arquitetura Kitsch”[1] ou “Modernismo Popular” [2] . São construções elaboradas por não-arquitetos (Pedreiros, desenhistas, engenheiros e muitas vezes pelos próprios moradores) possivelmente ao longo da década de 1960 após massiva midiatização da construção de Brasília.




Partindo da constatada ausência de arquitetos nos interiores do país até meados da década de 1970 [3], somada a fundação e ampliação vertiginosa de núcleos urbanos Brasil afora após a construção de Brasília, pode se deduzir que a maioria dos espaços constituídos sob o ideário de modernidade foram produzidos por não-arquitetos, sujeitos responsáveis pela edificação de parte significativa da paisagem construída no Brasil.

Preocupada com a evidente lacuna historiográfica a respeito desses espaços produzidos na periferia do pensamento moderno, Construção Brasileira catalogou mais de 100 dessas construções em 22 estados brasileiros, além de outros 10 exemplares documentados em diferentes países do globo (Guatemala, Egito, EUA, Irã, Portugal e Paraguai ). Documentação possível através de um método que associa buscas de palavras-chave em plataformas sociais, consultas ao Wikipedia e a bibliografia sobre arquitetura popular, somadas a longas investigações pelo Google Street View.

O projeto propõe aproximar essa fascinação com o modernismo de Brasília com um de seus precedentes históricos: A exposição e seu catálogo homônimos “Brazil Builds: Architecture new and old, 1652-1942”, realizada no MoMA em 1943, organizada por Philip Goodwin com imagens do fotógrafo Kidder Smith. Sob um viés histórico, a exposição apresenta um panorama das edificações modernistas brasileiras, mas assim como Brasília, se esforça para propor essa arquitetura como suposta representante de uma unidade nacional.


Brazil Builds narra uma modernidade triunfante pela sua capacidade de adaptação aos trópicos, fabula-se uma arquitetura passível de modernizar o terceiro mundo na medida em que se miscigenava na esfera cultural, geográfica e climática, numa velada e suspeita convergência os discursos vigentes de uma democracia racial. Nesse sentindo, Brazil Builds antecipa Brasília e advoga pela arquitetura modernista como autêntica representante de um suposto “povo brasileiro”, mesmo que contraditoriamente essa arquitetura fosse exceção na paisagem habitada por esses sujeitos.

O “povo”, essa abstrata e heterogênea categoria frequentemente ignorada pelos ciclos de modernização, mas convocada a compor a narrativa do movimento moderno, estabelece um contraponto ao apropriar-se da arquitetura modernista na figura da Coluna da Alvorada, para elaborar seus próprios sentidos de modernidade. Dessa forma, “Construção Brasileira” propõe perceber esse processo através da ficcionalização de um catálogo de arquitetura, apropriando-se do design e a diagramação do catálogo clássico de Brazil Builds, para apresentar essa coleção de arquiteturas não oficiais espalhadas Brasil afora.

Borrando a fronteira entre as narrativas oficiais e não-oficiais sobre a modernidade no Brasil, mas como Caetano, especulando que ainda de se “ver que há muitos níveis insondados, muitos estágios misteriosos nas relações entre as massas e o que se convencionou chamar de modernidade” [4] .



[1] GUIMARÃES, Dinah; CAVALCANTI, Lauro. Arquitetura kitsch: suburbana e rural. Ed. II. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

[2] LARA, Fernando Luiz Camargos. “Modernismo Popular: elogio ou imitação?”. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, v. 12, n. 13, Dec 2005, pp. 171-184.

[3] SEGAWA, Hugo. Arquitetos peregrinos, nômades e migrantes. In: Interlocuções na arquitetura moderna no Brasil: o caso de Goiânia e de outras modernidades. Goiânia: Universidade Federal de Goiás-UFG, 2015.

[4] VELOSO, Caetano. Texto para o catálogo Des maisons comme des tableaux (Paris, Centre Georges Pompidou, 1988). In: Mariani, Anna. Pinturas e Platibandas. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2010.