Ni siquiera he ido a Río
(Nunca nem fui ao Rio)


Exposição individual resultante da residência artística no ateliê El Despacho.
Santa Cruz de Tenerife, Ilhas Canárias, Espanha.
2021.








Em 2021 eu estive em residência artística no ateliê El Despacho em Santa Cruz de Tenerife, nas Ilhas Canárias (Espanha), em diálogo com os artistas Eduardo Hodgson, Miguel Rubio, Javi Caldas e o duo Beatriz Lecuona e Oscar Hernandez. Durante meu período de trabalho no El Despacho me debrucei sobre uma impressão primária sobre minha experiência na ilha de Tenerife: Porque e como algumas imagens me faziam perceber locais como as Ilhas Canárias e o Brasil de maneira muito semelhante?

Logo me dediquei a pensar sobre possíveis estereótipos culturais comuns a esses territórios, me questionando sobre como um aparato simbólico (geralmente visível em imagens de apelo turístico, como cartões postais, propagandas de complexos hoteleiros, dentre outras) informavam uma imagem exoticizada de regiões tropicais, de cultura supostamente dócil e de uma natureza domesticada, produzindo imagens semelhantes de cidades muito distintas como Santa Cruz de Tenerife e o Rio de Janeiro, por exemplo.


Assim, me pareceu que esse imaginário comum poderia ter origem na imagem-ideia de ilhas de clima quente e úmido (Sabe-se que ao chegarem no Brasil, os Portugueses acreditavam ter chegado a uma ilha), distantes da Europa e com fauna e flora abundante. Visão disseminada nas narrativas coloniais através de cartas de viajantes e depois em pinturas que narravam mitos de fundação, como os “descobrimentos” e as clássicas representações de primeira missa nos territórios colonizados. A isso soma-se o fato do arquipélago de Canárias ter se estabelecido no período colonial como o último ponto de parada das embarcações antes de chegarem ao litoral do Brasil.

Essas supostas semelhanças talvez tenham sua genealogia fundada no excesso de proximidade estética e temporal entre as pinturas “Fundación de Santa Cruz de Tenerife” (1855), de Gumersindo Robayna Lazo (1829 – 1898), e a pintura “A Primeira Missa no Brasil” (1860) de Victor Meirelles (1832 – 1903), dois pintores que tiveram parte de sua formação na França. Além de ambas tratarem de mitos de fundação, as duas apresentam uma mesma estrutura para organizar os elementos da paisagem, dispondo também de um mesmo enredo simbólico para categorizar e hierarquizar seus personagens: Um conjunto de homens brancos ao redor da cruz católica no centro da imagem, nativos nas margens inferiores junto as vegetações tropicais, enquanto no plano de fundo figura-se o mar e as caravelas sinalizando uma recém invasão.

Tanto nas pinturas de repertório canônico quanto nas imagens kitsch difundidas em cartões postais turísticos, fica subtendida a visão de uma terra de provisão, espaços repletos de luz solar, flora e fauna exuberantes, uma visão colonial que na contemporaneidade propõe que esses territórios estariam à disposição de reencenarem aos modos turísticos a experiência dos “descobrimentos” e seus desdobramentos exóticistas.

Ao fim da residência artística essas questões desembocaram em “Ni siquiera he ido a Río”, exposição individual que constitui um site specific, propondo relacionar a arquitetura do interior do estúdio El Despacho, meu espaço diário de trabalho naquele momento, com um desenho utilizados nas calçadas do Rio de Janeiro e frequentemente relacionado a uma imagem exótica de tropicalidade.