Talles Lopes
       
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Talles Lopes
Engolindo o Velho Mundo / Swallowing the Old World


Antropofagia. 2023. Aquarela e nanquim sobre papel. 56 x 76 cm.
Anthropophagy. 2023. Watercolor and ink on paper. 22 x 29,9 in.
Foto/Photo: Paulo Rezende.


Publicado em Coreia. 2024. (PDF)
Já faz alguns anos que tenho dedicado parte da minha prática artística a pensar a cartografia como linguagem, preocupado em como esse modo de representação não somente sintetiza, mas constrói visões de mundo. Foi durante um desses processos, buscando por cartografias do Brasil na plataforma David Rumsey Map Collection, que me deparei com o mapa das “Explorações Portuguesas do Continente Sul Americano no Século XV”, mapa que destaca a área do atual Brasil evidenciando a ocupação do território americano por Portugal. As Capitanias Hereditárias, áreas administrativas portuguesas, são destacadas no mapa em diferentes cores e matizes, colorindo desde o litoral atlântico até o limite do Tratado de Tordesilhas (1494), acordo concebido como divisão colonial do Novo Mundo entre os impérios hispânico e português.

O mapa é parte de um documento de nome gigantesco, o Atlas de Portugal Ultramarino e das Grandes Viagens Portuguesas de Descobrimento e Expansão (1948), produzido pelo Ministério das Colônias e pela JMGIC (Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais). Lendo Luís Miguel Moreira [1], soube logo que apesar da atenção dada ao tratado de 1494 e a uma ex-colônia portuguesa independente desde 1822, na realidade a publicação enfoca a propaganda colonial e exploração cartográfica de outros territórios que ainda no século XX permaneceram sob o domínio português.

O atlas apresenta territórios como Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e demais colônias através de dados geográficos, etnográficos, botânicos e outras informações distribuídas em 110 mapas coloridos. O conjunto impressiona pela qualidade gráfica dos desenhos, em que a precisão dos traços, cores, padrões e formas parece ultrapassar seu sentido técnico. Por vezes me parecendo que a violência existente na linguagem cartográfica supostamente universal e neutra se converte em um exercício estético de abstração formalista.



Atlas de Portugal Ultramarino. 1948.
Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais.

Há pouco tempo lia em Fernando Lara que "a abstração é a forma mais difundida de privilégio" [2], o que fez sentido nos mapas, na medida em que a capacidade cartográfica de projetar-se fora do mundo para vê-lo, estando dentro dele, é provavelmente a ação padrão que precede qualquer dominação efetiva desse mesmo mundo. Ao passo que enquanto quem projeta – o homem branco – está do lado de fora da representação, os demais tornam-se passíveis de serem reduzidos a objetos nas representações. De maneira que não impressiona que a violência colonialista secular tenha se reafirmado através de abstrações cartográficas que soam tão inofensivas. Nem impressiona o resgate temporalmente remoto do Tratado de Tordesilhas como afirmação das qualidades expansionistas portuguesas 454 anos mais tarde, ferramenta para legitimar o império colonial português diante da conjuntura mundial em meados do século XX.

Por outro lado, me impressiona como esse resgate colide com outra representação que me é bastante familiar, o mapa “Expansão Territorial do Brasil” (1958), publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que novamente resgata e destaca o Tratado de Tordesilhas mais de 400 anos depois no tempo. Chama minha atenção não tanto o simples destaque dado ao Tratado num período longínquo, o que é frequente em mapas escolares, mas precisamente o fato do mapa expansionista marcar a introdução de uma importante publicação estatal em pleno processo de modernização do país, o Atlas do Brasil (1959) [3], publicado durante a construção da capital Brasília no interior do país e sua jornada modernizadora de integração nacional no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961).

Como apresenta o Atlas do Brasil, enquanto os bandeirantes e as cidades coloniais surgidas da exploração do ouro "simbolizam o devassamento e a posse teórica" dos territórios adjacentes ao Tratado de Tordesilhas, a construção de Brasília seria a "esplêndida realidade da ocupação efetiva". Os bandeirantes foram exploradores de São Paulo, geralmente de descendência portuguesa, responsáveis pela anexação das áreas hispânicas do Tratado de Tordesilhas, o que faziam através das bandeiras – incursões ao interior do continente em busca de ouro e da escravização de povos originários. Do mesmo modo, Paulo Tavares [4] faz ver que a celebrada pintura Primeira Missa no Brasil (1861), feita por Victor Meirelles (1832-1903) e inspirada na carta de Pêro Vaz de Caminha (sc. XV) sobre a chegada portuguesa no Brasil, foi a imagem conscientemente reencenada na missa da fundação de Brasília, assim a nova capital modernizante já apontava um futuro de volta ao passado colonial.

Se no atlas português o Tratado de Tordesilhas é resgatado como ato fundacional colonialista, no atlas brasileiro a menção à superação de seus limites pelas bandeiras paulistas é forjada como o primeiro ato colonialista essencialmente brasileiro. Foi indagando sobre esses paralelos que iniciei uma série de trabalhos onde contraponho representações do Brasil entre si e também com outros territórios, pensando que esse simples exercício de colidir imagens poderia desvelar a internalização de lógicas coloniais dentro de uma noção de "brasilidade". Como sugere a relação que pude construir entre a capa do livro brasileiro S. Paulo é Isto! (1932) [5] e o cartoon britânico The Rhodes Colossus (1892) [6] na aquarela "Pra inglês ver" (2023), enquanto a Europa operava o colonialismo em diferentes territórios ultramarinos, no Brasil nostalgicamente se fantasiava o bandeirante paulista como uma versão interna da "era dos descobrimentos".

Pra inglês ver. Talles Lopes. 2023.
Aquarela e nanquim sobre papel. 56 x 76 cm.

Pra inglês ver. Talles Lopes. 2023. 
Watercolor and ink on paper. 22 x 29,9 in. 
Foto/Photo: Paulo Rezende.

A violência do binômio metrópole e colônia aparece com frequência eufemizada no mito de uma unidade homogênea formada por explorador e explorado, como na capa da revista Paris-Match (n° 326, 1955) com um jovem negro supostamente saudando a bandeira francesa. Tal episódio foi apontado por Roland Barthes [7] como exemplo de um regime de exploração material e simbólica que é velado na ideia conciliatória de um grande império onde "todos os seus filhos, sem distinção de cor, a servem fielmente sob a sua bandeira". Na leitura de Barthes facilmente caberia também a capa da edição da revista brasileira Vida Doméstica (n° extraordinário, 1940), que promove a ideia de "guarda as terras do Brasil" como uma suposta colaboração entre o exército nacional e os povos originários do território dito brasileiro. Ao me apropriar de tal capa quando produzi a aquarela Antropofagia (2023), pude contrapor a peça gráfica com o cartaz do programa nacional de colonização chamado Marcha para o Oeste (1937-1945), cujo os vetores de colonização mais lembram o mapa de uma guerra interna, levantando questionamentos sobre o aparente concílio ilustrado em Vida Doméstica.

Igualmente, o famoso cartaz "Portugal não é um país pequeno" (Exposição Colonial do Porto, 1934) trouxe a representação cartográfica das colônias portuguesas junto à metrópole como uma extensa unidade territorial, como se o colonialismo fosse não um exercício de poder, mas uma união fraternal entre esses diferentes territórios. A capa de S. Paulo é Isto! [8], citando o historiador português Joaquim Pedro de Oliveira Martins, "de S. Paulo poude sahir a raça que fez o Brasil”, soa como essa mesma ficcionalização absurda de unidade fraternal sob supremacia racial. As aquarelas que produzi na série Parte pelo todo (2023), testemunham que o cartaz português me recordava uma série de mapas do Brasil feita a partir do estado paulista ao longo do século XX, que informados pela nostalgia bandeirante, me faziam ver sem grandes esforços semiológicos algo delirante como a paródia "São Paulo não é um país pequeno", na relação gráfica entre São Paulo e Brasil, metrópole e colônia.




Parte pelo todo n.1. Talles Lopes. 2023.
Aquarela e nanquim sobre papel. 56 x 76 cm.

Part for the whole n.1. Talles Lopes. 2023. 
Watercolor and ink on paper. 22 x 29,9 in.
Foto/Photo: Paulo Rezende.
Na série que eu pude desenvolver em 2023, chamada Linguagem universal para apagamentos locais, é possível observar um jogo cromático em aquarela com formas geométricas circulares de diversas dimensões, criadas a partir da sobreposição manual dos gráficos dos diferentes mapas do território brasileiro presentes no Atlas do Brasil de 1959. Apesar de não apresentar os contornos do país, a soma dos desenhos originalmente dedicados a temas como população, economia, transporte, minérios, exportação e importação permite perceber uma diferença óbvia entre leste e oeste do Brasil, distinção que coincide exatamente com a divisão leste/oeste esboçada pelo Tratado de Tordesilhas. O primeiro surge destacado pela grande quantidade de gráficos quantitativos e qualitativos, enquanto o segundo parece pouco visível devido à pouca presença dos mesmos tipos de gráficos.


Linguagem universal para apagamentos locais. Talles Lopes. 2023. Aquarela e nanquim sobre papel. 70 x 70 cm.
Universal language for local erases. Talles Lopes. 2023. Watercolor and ink on paper. 27,5 x 27,5 in
Nessa perspectiva, me parece que o Atlas sistematiza conscientemente uma confirmação técnico-científica do mito cuidadosamente construída na introdução da publicação com o mapa “Expansão Territorial do Brasil”, que a partir do Tratado de Tordesilhas mitifica um Brasil conquistador, o leste, e um Brasil conquistado, o oeste. Diferentemente da distinção entre América e América Lusófona presente no Atlas Português Ultramarino (1948), o mapa “Expansão Territorial do Brasil” traz um Brasil dividido em dois, fazendo lembrar que a ideia de expansão supõe um Brasil anterior ao Brasil, ou como sugerem os vetores de colonização de cartazes estatais reproduzidos em Subdesenvolvimento Linear (2016), um Brasil colonizado pelo próprio Brasil, um país com sua própria projeção interna de Velho Mundo e Novo Mundo.

Por fim, vale questionar mais uma vez a neutralidade da linguagem universal adotada pela cartografia, na medida em que os dados e gráficos, supostamente imparciais, transformam-se em uma versão cartesiana das figuras mitológicas ilustradas nos mapas das grandes navegações, que com frequência serviam à estigmatização e animalização dos povos não-brancos e seus territórios. Suspeitando que o mesmo ocorre quando os dados dos mapas do Atlas do Brasil de 1959 incorporam a dita codificação de mundo entre Europa e não-Europa anunciada por Aníbal Quijano [9], projetando no território brasileiro as categorias leste e oeste como equivalentes aos dualismos "primitivo-civilizado, mágico/mítico-científico, irracional-racional, tradicional-moderno".

Vivendo em Goiás, no interior do Brasil central, espaço exaustivamente mapeado e mitificado como uma espécie de terra prometida ou El Dorado da América portuguesa desde as incursões bandeirantes, passando pelo processo de modernização com a construção de Brasília e alcançando a atualidade com a alta especulação do potencial agrícola da região, me pareceu relevante "fazer o caminho de volta" em torno desses mitos. Prática em parte testemunhada neste texto, tenho me proposto um exercício de coletar, organizar e me apropriar dos mapas responsáveis por reiterar tais mitos e violências coloniais, para assim quem sabe desestabilizar suas narrativas históricas e desnaturalizar seus apagamentos massivos, se é que isso é possível. Vivendo na barriga dessa criatura, que segue digerindo um Velho Mundo sem ânsia de regurgitar, parece-me que um caminho possível ao menos é tornar esse processo indigesto.




Published in Coreia. 2024. (PDF)
For several years now, I have dedicated part of my artistic practice to thinking about cartography as a language, concerned with how this mode of representation not only synthesizes but also constructs worldviews. It was during one of these processes, searching for cartographies of Brazil on the David Rumsey Map Collection platform, that I came across the map of the “Portuguese Explorations of the South American Continent in the 15th Century” (Explorações Portuguesas do Continente Sul Americano) a map that highlights the area of present-day Brazil, showing Portugal’s occupation of American territory. The Captaincies, Portuguese administrative areas, are highlighted on the map in different colors and shades, coloring from the Atlantic coast to the boundary of the Treaty of Tordesillas (1494), an agreement conceived as a colonial division of the New World between the Spanish and Portuguese empires.

The map is part of the Atlas of Overseas Portugal (Atlas de Portugal Ultramarino), from 1948, produced by the Ministry of Colonies and the Board of Geographical Missions and Colonial Investigations (Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais - JMGIC). Reading Luís Miguel Moreira [1], I soon learned that despite the attention given to the 1494 treaty and a former Portuguese colony that had been independent since 1822, in reality the publication focuses on colonial propaganda and cartographic exploration of other territories that remained under Portuguese rule into the 20th century.  

The atlas presents territories such as Guinea, São Tomé and Príncipe, Angola, Mozambique, and other colonies through geographic, ethnographic, botanical, and other information distributed across 110 color maps. The collection is impressive for the graphic quality of the drawings, in which the precision of the lines, colors, patterns, and shapes seems to transcend their technical meaning. At times, it seems to me that the violence inherent in cartographic language, supposedly universal and neutral, is converted into an aesthetic exercise in formalist abstraction.



Atlas do Brasil. 1959.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

I recently read in Fernando Lara [2] that “abstraction is the most widespread form of privilege,” which made sense in maps, insofar as the cartographic ability to project oneself outside the world to see it, while being inside it, is probably the standard action that precedes any effective domination of that same world. While those who project—white men—are outside the representation, the rest are liable to be reduced to objects in the representations. So it is not surprising that secular colonialist violence has been reaffirmed through cartographic abstractions that sound so harmless. Nor is it impressive to revive the Treaty of Tordesillas, which dates back centuries, as an affirmation of Portuguese expansionist qualities 454 years later, a tool to legitimize the Portuguese colonial empire in the face of the global situation in the mid-20th century.

On the other hand, I am struck by how this revival clashes with another representation that is quite familiar to me, the map “Territorial Expansion of Brazil” (Expansão Territorial do Brasil), from 1958, published by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), known as IBGE, which again revives and highlights the Treaty of Tordesillas more than 400 years later. What catches my attention is not so much the simple emphasis given to the Treaty in a distant period, which is common in school maps, but precisely the fact that the expansionist map marks the introduction of an important state publication in the midst of the country's modernization process, the Atlas of Brazil (1959) [3], published during the construction of the capital Brasília in the interior of the country and its modernizing journey of national integration under the Juscelino Kubitschek administration (1956-1961).

As presented in the Atlas of Brazil, while the Bandeirantes and colonial cities that emerged from the exploration of the other “symbolize the theoretical takeover and possession” of the territories adjacent to the Treaty of Tordesillas, the construction of Brasília would be the “splendid reality of effective occupation.” The Bandeirantes were explorers from São Paulo, generally of Portuguese descent, responsible for annexing the Hispanic areas of the Treaty of Tordesillas, which they did through Bandeiras – incursions into the interior of the continent in search of gold and the enslavement of indigenous peoples. Similarly, Paulo Tavares [4] points out that the celebrated painting First Mass in Brazil (Primeira Missa no Brasil, 1861), by Victor Meirelles (1832-1903) and inspired by Pêro Vaz de Caminha's letter (sc. XV) about the Portuguese arrival in Brazil, was consciously reenacted in the mass celebrating the founding of Brasília, thus signaling that the new modernizing capital was already pointing toward a future return to the colonial past.

If in the Portuguese atlas the Treaty of Tordesillas is revived as a founding colonialist act, in the Brazilian atlas the mention of the overcoming of its limits by the São Paulo expeditions is forged as the first essentially Brazilian colonialist act. It was by inquiring into these parallels that I began a series of works in which I contrast representations of Brazil with each other and also with other territories, thinking that this simple exercise of colliding images could reveal the internalization of colonial logics within a notion of “Brazilianness.” As suggested by the relationship I was able to construct between the cover of the Brazilian book S. Paulo é Isto! (That's São Paulo!) [5] from 1932, and the British cartoon The Rhodes Colossus (1892) [6] in the watercolor “Pra inglês ver” (For the English to see) from 2023, while Europe was operating colonialism in different overseas territories, in Brazil the São Paulo bandeirante explorer was nostalgically fantasized as an internal version of the “age of discovery.”




Antropofagia. 2023.
Aquarela e nanquim sobre papel. 56x76 cm.

Anthropophagy. Talles Lopes. 2023. 
Watercolor and ink on paper. 22 x 29,9 in. 
Foto/Photo: Paulo Rezende
The violence of the metropolis-colony dichotomy often appears euphemized in the myth of a homogeneous unity formed by exploiter and exploited, as on the cover of Paris-Match magazine (No. 326, 1955) featuring a young Negro supposedly saluting the French flag. This episode was pointed out by Roland Barthes [7] as an example of a regime of material and symbolic exploitation that is veiled in the conciliatory idea of a great empire where “all her sons, without any colour discrimination, faithfully serve under her flag”. Barthes' reading could easily also apply to the cover of the Brazilian magazine Vida Doméstica (special edition, 1940), which promotes the idea of “guarding the lands of Brazil” as a supposed collaboration between the national army and the indigenous peoples of the so-called Brazilian territory. By appropriating this cover when I produced the watercolor "Anthropophagy" (2023), I was able to contrast the graphic piece with the poster for the national colonization program called Marcha para o Oeste (March to the West, 1937-1945), whose colonization vectors are more reminiscent of a map of an internal war, raising questions about the apparent conciliation illustrated in Vida Doméstica.
Similarly, the famous poster “Portugal is not a small country” (Portuguese Colonial Exhibition of Porto, 1934) presented a cartographic representation of the Portuguese colonies alongside the metropolis as an extensive territorial unit, as if colonialism were not an exercise of power, but a fraternal union between these different territories. The cover of S. Paulo é Isto!, quoting Portuguese historian Joaquim Pedro de Oliveira Martins, “from S. Paulo came the race that made Brazil,” sounds like this same absurd fictionalization of fraternal unity under racial supremacy. The watercolors I produced in the series “Part for the whole” (2023) testify that the Portuguese poster reminded me of a series of maps of Brazil made from the state of São Paulo throughout the 20th century, which, informed by bandeirante nostalgia, made me see without great semiological effort something delirious like the parody “São Paulo is not a small country,” in the graphic relationship between São Paulo and Brazil, metropolis and colony.




Parte pelo todo n.2. Talles Lopes. 2023.
Aquarela e nanquim sobre papel. 56 x 76 cm.

Part for the whole n.2. Talles Lopes. 2023. 
Watercolor and ink on paper. 22 x 29,9 in.
Foto/Photo: Paulo Rezende.
In the series I developed in 2023, called Universal Language for Local Erasures (Linguagem Universal para Apagamentos Locais), you can see a chromatic watercolor play with circular geometric shapes of various dimensions, created by manually superimposing graphics from different maps of Brazil found in the 1959 Atlas of Brazil. Although it does not show the country's contours, the sum of the drawings originally dedicated to themes such as population, economy, transportation, minerals, exports, and imports allows us to perceive an obvious difference between eastern and western Brazil, a distinction that coincides exactly with the east/west division outlined by the Treaty of Tordesillas. The former stands out due to the large number of quantitative and qualitative graphs, while the latter seems less visible due to the scarcity of such graphs.





Subdesenvolvimento Linear. Talles Lopes.
Aquarela e nanquim sobre papel. 61 x 61 cm. 2016 .

Linear Underdevelopment. Talles Lopes. 
Watercolour and ink on paper. 61 x 61 cm. 2016
From this perspective, it seems to me that the Atlas consciously systematizes a technical-scientific confirmation of the myth carefully constructed in the introduction to the publication with the map “Territorial Expansion of Brazil,” which, based on the Treaty of Tordesillas, mythologizes a conquering Brazil in the east and a conquered Brazil in the west. Unlike the distinction between America and Lusophone America present in the Atlas of Overseas Portugal (Atlas de Portugal Ultramarino, 1948), the map “Territorial Expansion of Brazil” shows a Brazil divided in two, reminding us that the idea of expansion presupposes a Brazil prior to Brazil, or as suggested by the vectors of colonization in state posters reproduced in Linear Underdevelopment (2016), a Brazil colonized by Brazil itself, a country with its own internal projection of the Old World and the New World.
Finally, it is worth questioning once again the neutrality of the universal language adopted by cartography, insofar as the supposedly impartial data and graphics are transformed into a Cartesian version of the mythological figures illustrated on the maps of the great navigations, which often served to stigmatize and animalize non-white peoples and their territories. We suspect that the same occurs when the data from the 1959 Atlas of Brazil incorporates the aforementioned codification of the world between Europe and non-Europe announced by Aníbal Quijano, projecting onto Brazilian territory the categories of east and west as equivalent to the dualisms “primitive-civilized, magical/mythical-scientific, irrational-rational, traditional-modern.”  

Living in Goiás, in the interior of central Brazil, an area exhaustively mapped and mythologized as a kind of promised land or El Dorado of Portuguese America since the bandeirante incursions, a vision consolidated during the period of modernization with the construction of Brasília and reproduced today with the high speculation on the region's agricultural potential, it seemed relevant to me to identify the genealogy of these myths that continue to define the material reality here. A practice partly witnessed in this text, I have set myself the task of collecting, organizing, and appropriating the maps responsible for reiterating such myths and colonial violence, in order to perhaps destabilize their historical narratives and denaturalize their massive erasures, if that is possible. Living in the belly of this creature, which continues to digest an Old World without any desire to regurgitate, it seems to me that one possible path is at least to make this process indigestible.



  1. Luís Miguel Moreira, “Forjar um Império”, Terra Brasilis [Online], 17, 2022. Disponível em <http://journals.openedition.org/terrabrasilis/11224>, acesso em 29 de dezembro de 2023. 

  2. Fernando Luiz Lara, "Abstraction is a Privilege", PLATFORM – Provocative Timely Diverse. Disponível em <https://www.platformspace.net/home/abstraction-is-a-privilege>, acesso em 29 de dezembro de 2023.
  3.     
  4. Divisão de Geografia do Conselho Nacional de Geografia (org.), Atlas do Brasil (geral e regional), Rio de Janeiro: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1959.

  5. Paulo Tavares, “A Capital Colonial”, Revista ZUM, Rio de Janeiro: IMS, 2020. Disponível em <https://revistazum.com.br/ensaios/a-capital-colonial/>, acesso em 29 de dezembro de 2023.
  6.   
  7. Antoine Renard. S. Paulo é Isto!, São Paulo: 1933.

  8. Revista Punch, or the London Chaviravi, Londres: 1892.

  9. Roland Barthes. Mitologias, 4a ed., Rio de Janeiro: DIFEL, 2001.
  10. Antoine Renard, S. Paulo é Isto!, São Paulo: 1933.
  11.   
  12. QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005.