Talles Lopes
       
Talles Lopes
Archive      Text
Bio             CV
       
Paulo Tavares
Forma Livre Fronteira  / Form Free Border  

Paisagem Aclimatad. Acclimatized Landscape. Foto/Photo: Paulo Rezende.




Texto para expo Paisagem Aclimatada. Cerrado Galeria. 2024. (PDF)

– “E como os movimentos do espírito precedem as manifestações das outras formas da sociedade, é fácil de perceber a mesma tendência de liberdade e conquista de expressão própria tanto na imposição do verso-livre antes de 30, como na “marcha para o Oeste” posterior a 30.”[i]

Mario de Andrade, O Movimento Modernista, 1942.


Nesta passagem chave de seu famoso balanço crítico O Movimento Modernista publicado em 1942, Mario de Andrade associa a forma livre instaurada pela revolução modernista ao projeto de colonização do Brasil Central capitaneado pelo regime ditatorial do Estado Novo, a chamada Marcha para o Oeste.

“O verdadeiro sentido de brasilidade”, disse Getúlio Vargas apropriando-se do vocabulário estético modernista, “é a Marcha para o Oeste”. Gilberto Freyre atribuía o mesmo significado moderno-nacional ao que chamou de auto-colonização: “a colonização do Brasil logo deixou de ser estritamente europeia para vir a ser um processo de auto-colonização: um processo que haveria de tomar, depois da independência, caráter nacional.” Nas palavras de Vargas, tratava-se de “nosso imperialismo”, ou seja, um imperialismo nacional, direcionado a conquistar e colonizar seu próprio território.  

Forma livre e expansão da fronteira colonial encontram-se na “conquista de expressão própria,” substâncias do mesmo projeto de modernidade e identidade nacional. Mais do que isso, o que Mario de Andrade deixa entender é que o movimento da fronteira (assim como a industrialização, seu paralelo urbano), é a própria expressão social da liberdade e da modernidade anunciada pela estética da forma livre modernista.

A compreensão de que a identidade nacional e a modernização do país estão associadas à conquista e à colonização do território encontrou no movimento moderno um de seus principais avatares ideológicos, especialmente através da arquitetura.

Brasília, cidade-fronteira por excelência, “trata-se de um ato deliberado de posse”, escreveu o urbanista Lucio Costa no memorial do Plano Piloto, “um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial.” Para o curador e crítico de arte Mario Pedrosa, o projeto moderno de Brasília encontrava-se na força simbólica e política deste gesto (neo)colonizador: “o reconhecimento pleno de que a solução possível ainda era na base da experiência colonial, quer dizer, uma tomada de posse à moda cabralina”.

O lastro entre colonialidade e modernidade, cuja origem ideológica está no pensamento racializado e racista que identificou a arquitetura do colonialismo português como fundante da tradição artística nacional, deu forma à linguagem “tropical” e “barroca” do que viria a ser internacionalmente reverenciado como “o estilo brasileiro” na arquitetura moderna. Com suas formas livres, curvilíneas, sinuosas e abstratas, com toda sua exuberância e sexualização tropical, a arquitetura moderna brasileira dissimulou os alicerces políticos e ideológicos de sua herança colonial, ou melhor, fez deles patrimônio, comunicando imagens da fronteira colonial-moderna como movimento ao progresso, a democracia racial, e a formação da identidade nacional.

[i] Mario de Andrade, O Movimento Modernista, Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1942, p. 63-65. A passagem na íntegra é: “E como os movimentos do espírito precedem as manifestações das outras formas da sociedade, é fácil de perceber a mesma tendência de liberdade e conquista de expressão própria tanto na imposição do verso-livre antes de 30, como na “marcha para o Oeste” posterior a 30; tanto na “Bagaceira”, no “Estrangeiro”, na “Negra Fulô” anteriores a 30, como no caso da Itabira e a nacionalização das indústrias pesadas, posteriores a 30.”

Text for the show Acclimatized Landscape. Cerrado Gallery. 2024.   (PDF)

“And since the movements of the spirit precede the manifestations of the other forms in society, it is easy to see the same tendency towards freedom and the conquest of expression both in the imposition of free verse before 1930 and in the ‘march to the West’ after 1930”.[i]

Mario de Andrade, The Modernist Movement, 1942.


In this key passage from his famous critical review The Modernist Movement published in 1942, Mario de Andrade associates the free form established by the modernist revolution with the colonization project for Central Brazil led by the dictatorial regime of the Estado Novo, the so-called March to the West.

“The true meaning of Brazilianness”, stated Getúlio Vargas, appropriating the modernist esthetical vocabulary, “is the March to the West”. Gilberto Freyre attributed the same modern-national meaning to what he called self-colonization: “the colonization of Brazil soon ceased to be strictly European and became a process of self-colonization: a process that would take on a national character after independence”. In Vargas’ words, it was “our imperialism”, that is, a national imperialism, aimed at conquering and colonizing its own territory.

Free form and the expansion of the colonial border meet in the “conquest of expression”, substances of the same project of modernity and national identity. More than that, what Mario de Andrade lets us understand is that the movement of the borders (as well as industrialization, its urban parallel), is the very social expression of freedom and modernity announced by the aesthetics of modernist free form.

The understanding that national identity and the modernization of the country are associated with the conquest and colonization of the territory found in the modern movement one of its main ideological avatars, especially through architecture.

Brasília, a border city par excellence, “is a deliberate act of possession”, wrote urban planner Lucio Costa in the memorial to the Pilot Plan, “a gesture with a sense of still being a pioneer, along the lines of the colonial tradition.” For curator and art critic Mario Pedrosa, Brasília’s modern project was to be found in the symbolic and political force of this (neo)colonizing gesture: “the full recognition that the possible solution was still based on the colonial experience, in other words, a Cabraline-style taking of possession”.

The link between coloniality and modernity, whose ideological origin lies in the racialized and racist thinking that identified the architecture of Portuguese colonialism as the founder of the national artistic tradition, shaped the “tropical” and “baroque” language of what would come to be internationally revered as “the Brazilian style” in modern architecture. With its free, curvilinear, sinuous and abstract forms, with all its exuberance and tropical sexualization, Brazilian modern architecture concealed the political and ideological foundations of its colonial heritage, or rather made them its patrimony, communicating images of the colonial-modern border as a movement towards progress, racial democracy, and the formation of national identity.

[i] Mario de Andrade, O Movimento Modernista, Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1942, p. 63-65. The passage in full is: “And since the movements of the spirit precede the manifestations of the other forms of society, it is easy to see the same tendency towards freedom and the conquest of self-expression both in the imposition of free verse before 1930, and in the ‘march to the West’ after 1930; both in ‘Bagaceira’, ‘Estrangeiro’, ‘Negra Fulô’ before 1930, and in the case of Itabira and the nationalization of heavy industries, after 1930”.